segunda-feira, 13 de junho de 2011

iracema nas escolas




Universidade de São Paulo
Escola de Comunicação e Artes
Sonoplastia I
Prof. Fábio Cintra
1º semestre de 2011 – Projeto Final – Entrega: dia
Aluno: Luan Ferraz Chaves

Iracema: do distanciamento ingênuo ao distanciamento poético

            Fomos convidados pelo Sesc Pinheiros para realizar uma série de três leituras dramáticas para obras do vestibular, dentre elas Iracema, de José de Alencar.
Antes de iniciarmos os trabalhos, o desconforto em realizar essa obra era inegável: porque a fuvest mantém essa obra no vestibular? O que ela nos diz hoje, no século XXI?
            Antes de relermos (todos já havíamos lido anos antes), pretendíamos fazer uma leitura contemporânea sobre ela, no sentido de parodiá-la. Começaríamos a leitura dizendo ao público que nós, o Grupo de Estudo Permanente, acreditávamos ser irrealizável uma montagem tradicional de Iracema hoje, e a partir disso, construiríamos o restante do trabalho.
            Porém, ao reler o texto, percebemos que não era impossível montá-la. Questionamo-nos quanto ao fato de não enfrentarmos aquele material poético, e lidarmos com ele apenas através do enfrentamento. É cada vez mais comum no teatro contemporâneo, os grupos lidarem com as obras de forma distanciada logo de início, sem antes analisar profundamente o material, e ver o que dele pode surgir. Então, recusamos a proposta inicial, de trabalhar com Iracema já de forma distanciada desde o começo e resolvemos ver o que de potente havia no texto.
            Numa primeira conversa, percebemos inúmeras imagens interessantes construídas por Alencar e como o livro nos transporta para um outro lugar, como nos leva para uma outra atmosfera. Decidimos então trabalhar com uma linguagem que visasse a construção de imagens poéticas. Construir estações, que dessem conta de trazer a atmosfera onírica presente no livro. Não imagens que descrevessem ou ilustrassem a narrativa, mas que, em paralelo a ela, abrissem diferentes leituras e dialogassem com a essência de Iracema. Um casamento/sobreposição entre a leitura feita por uma narradora e as imagens apresentadas no palco.
            Apenas contar a história do livro seria muito pobre, para isso, valeria mais ler um resumo na internet. Mesmo lendo o livro, não tínhamos total clareza do enredo, para isso, foi necessário incessantes releituras minuciosas. Sabíamos que se caíssemos na armadilha de tentar contar a história do livro, muito provavelmente fracassaríamos. Decidimos nos focar na materialidade da cena – no opsis -, do que no enredo – no mithos – construído por Alencar. 
            A partir de um primeiro recorte dramatúrgico feito pelo diretor, iniciamos os processos de ensaios. Começamos a trabalhar com máscaras, uma para cada personagem do livro. Máscaras estilizadas, feitas com diferentes materiais moldados sobre uma máscara neutra. FIGURA MÁSCARAS
            Com elas, fomos improvisando e o diretor nos ia direcionando cada vez mais no sentido de limpar o máximo possível tudo o que fazíamos. E, aos poucos, fomos constituindo uma partitura corporal baseada na precisão e na limpeza.
            Por sermos apenas três atores em cena e no livro existirem mais personagens, uma das atrizes do grupo, a Silvana, passou a ser uma figura neutra, vestida toda de preto, que manipulava todas as máscaras, exceto as de Martim e Iracema, representados pelos outros dois atores.
            Já perto da apresentação, nosso diretor apontou um problema: “está faltando relação entre Martim e Iracema, algumas passagens estão mecânicas, falta vivacidade”. Diante disso, resolvemos experimentar tirar as máscaras. Repassamos a partitura que tínhamos, tentando a partir dela, criar mais relação entre nós. E, assim, conseguimos melhorar essas questões. Ao fim, tivemos Martim e Iracema sem máscara e os outros índios todos sendo representados por máscaras manipuladas (não colocadas no rosto) pela Silvana. FIGURA SILVANA MANIPULANDO MÁSCARA
             Durante os ensaios, dividimos a leitura em duas partes, seguindo a divisão do próprio livro. Na primeira, a narrativa se passa nas serras (campos dos tabajaras) e na segunda, nas praias (campos dos pitiguaras).
            Na primeira parte, cumprimos o que havíamos nos proposto: criamos estações em acordo com as atmosferas propostas pelo livro, transportando o espectador para esse outro universo. Essa parte termina com uma guerra entre as duas tribos e com a fuga de Martim e Iracema para as praias.
Na segunda parte, a dramaturgia se focou em deixar apenas o que fosse o essencial do essencial para o desenvolvimento da história. Ao fim da guerra, construímos a seguinte imagem: Martim mergulha o rosto e as mãos em uma bacia de sangue, se coloca de frente para o público e ali permanece até o fim. Aqui, decidimos mudar o tom da leitura, incluindo nossa análise sobre ela. IMGAGEM MARTIM
Propomos uma quebra. A narradora que até então estava fora de cena, levanta e agora se dirige diretamente para o público, mudando o tom da leitura.
Na seqüência da narrativa, Iracema dá a luz a Moacir (o primeiro mestiço nascido na terra americana) e morre. O bebê é representado por um pano que Iracema desamarra da cintura. Ela vai até Martim e coloca esse pano sobre seu rosto, o qual está ensangüentado. No final da leitura, temos uma última imagem: as máscaras das personagens (dos índios), as duas atrizes sentadas estáticas no fundo do palco e Martim com o rosto ensangüentado e o pano também ensangüentado no colo, símbolo do primeiro filho de europeu nas terras indígenas e da colonização. Ao lado, a narradora com o papel em mãos finaliza: “tudo passa sobre a terra”.        
O que antes havíamos negado - o distanciamento sobre a obra – ressurge agora de forma potencializada e poética. Distanciamento nascido não de um enfretamento prévio com relação à obra, mas do próprio processo criativo.         

Pesquisa Sonora

Eu, como ator, fiquei responsável pela pesquisa sonora do trabalho, que partiu de trilhas hollywoodianas. Também em conversas, percebemos como Iracema, obra tipicamente romântica, dialoga com as estruturas da indústria cultural. Martim é o típico herói dos filmes – Bred Pitt, etc – e Iracema, a heroína, com seus lábios de mel e hálito de baunilha – Anjelina Jolie, etc. Que fricções poderia existir entre trilhas hollywoodianas e o nosso trabalho?
            A partir de duas trilhas: do filme Avatar e do filme A Missão, criei inúmeras faixas, através do programa Audacity, dividindo as faixas dessas trilhas em muitos pequenos pedaços. Por exemplo, dividi a primeira faixa do Avatar em seis novas faixas, cada uma contendo uma estrutura sonora diferente, uma mesma célula repetida várias vezes. Além disso, busquei na discografia do grupo Dead can Dance mais músicas, com as quais trabalhei da mesma forma. Foi interessante perceber que, apesar de serem filmes típicos da Industria Cultural, principalmente o Avatar, essas trilhas propõem uma mistura de sonoridades convencionais de filmes americanos e outras sonoridades interessantes e inusitadas. Para o trabalho, inconscientemente, foi essa segunda categoria de sons que mais adentraram ao processo.
            Fora isso, uma atriz do grupo trouxe cinco apitos, vindos da Bahia, feitos artesanalmente, cada um com uma sonoridade diferente. Durante o processo, coube ao diretor ficar com esses apitos e experimentar esses sons ao longo dos ensaios. Junto aos apitos, houve também um pandeiro. Esses elementos somados a trilha montada constituem a estrutura sonora do trabalho.

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