terça-feira, 19 de outubro de 2010

UM OLHAR PARA TRÁS

UM OLHAR PARA TRÁS
(Marco Antonio Garbellini)

Em 1999, iniciei o processo de montagem de um espetáculo baseado nos poemas de Carlos Drummond de Andrade. Este projeto foi batizado com o nome “Anjo Torto”. Era meu último ano na Escola de Teatro e naquele momento gostaria de encontrar algo que realmente tivesse a necessidade de dizer. Inicialmente, escolhi de maneira intuitiva com quais poesias iria trabalhar, selecionei algumas que já me acompanhavam a mais de dez anos. Durante o processo de doze meses, levantei os poemas e os organizei dentro de um contexto: o “abandono”. Só percebi esse tema após meses lendo e relendo o material, num processo solitário e investigativo. A carpintaria teatral se fez pelas mãos do ator, escolhendo poemas, trechos e frases completas do autor, que tivessem um significado dentro desde universo abordado.
O segundo passo foi convidar diretor, preparador, assistente e outros colaboradores para o projeto, o que de inicio parecia distante da realidade em que eu estava. Mas, é incrível: quando estamos apaixonados por um projeto, esta paixão contagia a todos e no fim de doze meses, levantei uma equipe que colaborou profundamente em todas as escolhas estéticas, dramatúrgicas e de direção.
Os períodos de ensaios, laboratórios e debates entre direção, assistência e colaboradores foram fecundos e até hoje servem de guia na construção de projetos que tenho elaborado com outros parceiros.
Nossa estréia aconteceu no Parque da Água Branca e durante seis anos apresentei este projeto (de 2000 a 2006) em salas de teatros, parques e em diversos espaços alternativos.
A proposta sempre foi levar o trabalho a um público mais variado possível e de classes sociais diversas - (Espaço Cultural Moema, Shopping Silvio Romero, Parque da Água Branca e Associações dos Moradores do Campo Limpo) discutir, dialogar e divulgar a literatura e a pesquisa teatral neste contexto.
Ao final de cada apresentação, debatíamos com o público presente, que dizia suas impressões sobre o espetáculo em todos os sentidos: trabalho de ator, dramaturgia, direção e os procedimentos que executamos neste processo.
Aos poucos, percebemos que uma dramaturgia poderia ser criada a partir de um texto literário existente ou com a pesquisa de temas que julgássemos importantes. 

O segundo projeto, que tem como foco a dramaturgia do ator, demorou seis anos para ser iniciado e assumido definitivamente como a pesquisa de grupo que estamos edificando. Em Querência, iniciado em 2006, novamente o tema do abandono veio à tona. Desta vez, um abandono que vinha acompanhado de outros elementos, e era, agora, vivido por dois atores chamados Homem1 e Homem2.

Foram dois anos de extensa pesquisa. Pesquisamos linguagem, estética,  a construção dramatúrgica, cênica e os procedimentos adotados em sala de ensaio e fora dela. Tanto a dramaturgia como a direção se deu pelo material trabalhado pelos atores. O processo foi apresentado como exercício cênico durante dois meses (que internamente nomeamos como rascunhos de Querência) primeiro na Escola Professor Ângelo Martino, na Oficina de Atores Teatro Irene Ravache (para alunos de teatro do curso de formação de atores) e na Mostra Dramática Mundo Mix (2010).

No período de ensaio aberto da escola Professor Ângelo Martino, os convidados, ao assistirem, viam dois atores presos por uma espécie de “curral” feito por escadas e pedaços de madeiras que estavam no pátio da escola. No fundo, duas grades de janela e uma parede coberta de papel pardo, a luz que iluminava era um bico de luz improvisado.
Convidamos naquele momento atores, diretores, produtores, jornalistas, dramaturgos e pessoas que julgássemos que fossem importantes para o projeto. No fim de cada “ensaio/exercício” realizávamos um debate focado na dramaturgia do ator e na impressão que estes convidados tiveram do processo apresentado.
Ao mesmo tempo em que pesquisávamos este processo de dramaturgia, fomos convidados para realizar alguns projetos em parceria com o Núcleo de Ação Cultural do SESC-SP.
Dentre eles, destacamos o “Poemas e Canções”, com o músico e parceiro William Vasconcellos; os de literatura no formato de leitura dramática e performance: “Madame Bovary” de Gustave Flaubert (em comemoração aos 150 anos do livro homônimo desse autor); “Mundo Cão”, performance da obra de Plínio Marcos (inauguração do Espaço Provisório do SESC Vinte e Quatro de Maio); “O Alienista”, de Machado de Assis (Rios de Machado – SESC-Pompéia), “O Rascunho de um Rio”, da obra de Guimarães Rosa, no SESC-Santos - projetos esses que permitiram a continuidade e aprofundamento da nossa pesquisa.

O “Grupo de Estudos Permanente (G.E.P.) do “Teatro dAdversydade” nasceu da necessidade que temos de troca e verticalização das técnicas de pesquisas do fazer teatral e de renovação para novos parceiros e interpretes no nosso grupo. Buscamos com isso elaborar formas de dramaturgias, suscitar novas relações entre palco, platéia e o mundo.
Nossa proposta é que o GEP seja aberto a atores, escritores, diretores e espectadores, para que possamos confrontar livremente nossas experiências e os estudos cênicos levantados. 

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